24 de junho – As devoções populares e as representações de São João Batista

24 Junho, 2015 | Do museu

O mês de Junho é tradicionalmente ligado à devoção popular de três grandes santos da Igreja: Santo António, São João Batista e São Pedro.

As festas dedicadas aos ditos “Santos Populares” partilham raízes com a tradição pagã da festa do solstício do Verão comemorado, segundo o calendário juliano, a 24 de Junho, data que, na Idade Média, foi adaptada para celebrar o nascimento de São João Batista. É dele que falaremos hoje.

Com exceção das igrejas que o acolhem como orago ou lhe dedicam um altar lateral, as manifestações artísticas alusivas a S. João Batista são muito frequentemente localizadas junto ao batistério. Pinturas e vitrais representando o batismo de Cristo no Jordão, ou apenas esculturas que facilmente, pelos seus atributos, identificamos como aquele que “ veio para dar testemunho da luz e preparar o povo para a vinda do Senhor”.

Existem contudo pequenas divergências, segundo o modelo escultórico mais comum, e que frequentemente geram problemas de interpretação e identificação.

Podemos tomar como exemplo duas esculturas em madeira policromada e estofada, produzidas no séc. XVIII: São João Batista, menino, da Paróquia de Nossa Senhora da Purificação de Pernes (em exposição no Museu Diocesano de Santarém), e São João Batista, adulto, da Paróquia de São Vicente do Paul.

Vários aspetos comuns as aproximam: as vestes, as rochas, a forma. E podemos afirmar que apesar da distinta faixa etária representada, estamos perante igual representação iconográfica. Embora no primeiro caso se represente uma criança, não podemos partir do princípio que, como repetidas vezes acontece, se trata do Menino Jesus. Aliás, da mesma forma que a produção artística trouxe aos altares imagens de Cristo nas mais variadas etapas da Sua vida, assim também se torna viável a representação do Batista Menino, assumindo, como nos relatam os evangelhos, a sua missão de precursor desde que o anjo anunciou a Zacarias o seu nascimento e disse “ele será grande diante do Senhor”.

Quanto às vestes, “João trazia um traje de pêlos de camelo e um cinto de couro à volta da cintura”, mas é-lhe acrescentado um outro elemento, o manto vermelho, sinal do seu martírio. A posição da perna esquerda fletida e apoiada sobre as rochas sugere-nos a postura de alguém que parte primeiro, que toma a iniciativa, que vai à frente. É por isso que aqui se recordam as palavras do profeta Isaías: “Uma voz clama no deserto:
‘Preparai o caminho do Senhor e endireitai as suas veredas”. Com o seu pé, bem apoiado sobre a rocha, “toda a ravina será preenchida, todo o monte e colina serão abatidos; os caminhos tortuosos ficarão direitos e os escabrosos tornar-se-ão planos.”

O pequeno cordeiro, expoente máximo da simbologia destas peças (apesar de desaparecido na figura da criança, mas para o qual parecia apontar), quer revelar, como o próprio Batista o fez, Cristo – o Agnus Dei. Ei-lo para que toda a criatura se converta e veja a salvação de Deus.

Assim apresentado Jesus aos primeiros discípulos, João assumiu a sua condição para que “Ele cresça e eu diminua”, ao exemplo dos dias que se tornam menores depois do solstício do Verão, até ao grande “solstício de inverno” da noite santa do nascimento do Salvador.

Eva Raquel Neves, Jornal Porta do Sol, 3 de julho de 2011

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São João Batista. Escultura em madeira dourada, policromada e estofada. Século XVIII. Paróquia de Nossa Senhora da Purificação de Pernes | Museu Diocesano de Santarém (à esquerda).

 

São João Batista. Escultura em madeira dourada, policromada e estofada. Século XVIII. Paróquia de São Vicente do Paul (à direita).